Tomei o rumo de Barbacena, na manhã daquela segunda
feira. Para variar, cheguei atrasado. Acabei sentando, ainda ofegante, na
primeira poltrona atrás do motorista. As viagens de ônibus na zona da mata mineira
são torturantes, trechos de menos de 100 km leva-se duas horas, as vezes até
mais, para percorrer. Para-se demais nas estradas, o mesmo acontece
nos pequenos lugarejos, em que o ônibus entra. Em alguns,
chegam a fazer complicadas manobras para se desvencilhar de carros de bois e
charretes, onde tranquilos condutores pachorrentamente colocam suas prosas em
dia. Ao longo dos anos muita coisa mudou, mas a calma do caipira não. Os ônibus, no afã de faturar mais, parecem verdadeiras “lotações”
interurbanas.
A viagem tornou-se divertida, pelas conversas sem
rumo que travaram ao longo do percurso o cobrador e o motorista. Falavam e debochavam
de tudo. Esculhambaram um colega de
trabalho, que constantemente ia e voltava na conversa dos dois. O cobrador algumas vezes o imitava, tentando,
pela entonação, parecer fleumático: – “Preciso
ligar para a mãe de minha filha.” – Ele é apaixonado por aquele estrupício de
mulher. Retruca o motorista. – Ô motorista!
Você não presta. Vai arder no fogo do
inferno! A cada pequeno lugarejo que o
ônibus entrava ou parava. O cobrador disparava: – Êta Ravena sô! Quem foi que
inventou de entrar num lugarzinho fuleiro que nem esse.
Em Barbacena, após uma baldeação, sigo para São
João Del Rei. Só que, aqui, o cobrador é sisudo. Passa a viagem inteira contando
passageiros, para lá e para cá. Parece-me, que a cada passageiro que entra, ele
perde a conta. Uma placa na estrada me apresenta ao Rio das Mortes. Nos
primeiros tempos de escola, me impressionou a estória de seu nome. Imaginava um
rio de sangue correndo lentamente, onde, pedaços de corpos humanos, em
redemoinhos, apavorava quem lançasse as vistas sobre ele. Já no primeiro de abril, numa conversa com a vendedora
de um sebo próximo da igreja Nossa Senhora do Carmo, fiquei conhecendo outras
variáveis históricas para o nome do rio. A primeira, segundo ela, é uma história
contada pelos antigos, que na Guerra dos Emboabas, os corpos eram jogados ao
rio e suas águas tornavam-se vermelhas de sangue e por isso este nome, Rio das
Mortes. Outra versão pouca conhecida, relata que o fato acima ocorre em 1709 e,
muito antes disso este rio já ganhava este nome: “... a qual paragem de Rio das
mortes, por morrerem nele uns homens que o passaram nadando e outros que se
mataram a pelouradas brigando entre si sobre a repartição dos índios gentios
que traziam do sertão.” ela me mostra num folder. Há ainda
relatos de uma luta sangrenta travada, nos primeiros tempos da ocupação do
território, entre os sertanistas paulistas e tribos aguerridas que ocupavam o
território, certamente os falados Cataguás, ensejando assim a tétrica
denominação. Como cataguasense, para
mim, a última é a verdadeira e definitiva origem do nome do histórico rio.
Chegara na cidade por volta do meio dia. Pergunto onde
é a Praça da Estação. É a referência que tenho para chegar ao meu destino, nunca
estivera aqui antes. Quero saber quanto tempo gastaria para ir de táxi. A atendente do balcão de informações da
Rodoviária num sorriso só: Imagina moço! É pertinho. É logo ali. Pode ir a pé. E só seguir por ali, apontando para a rua, na
terceira ponte você atravessa, vira a direita e segue o muro até a estação. Mais
uma vez me ferro. “Logo ali” de mineiro é foda. Com uma pesada mochila caminho por mais de vinte minutos, chego ao meu destino completamente
banhado de suor.
A noite, depois de um bom banho, enquanto lá fora chove, ligo a TV. Num canal local, uma mulher negra apresenta e
faz as reportagens do jornal. Está na cara, que ela faz de tudo, jornalista
sofre em pequenas e desestruturadas emissoras do interior. Me divirto com a reportagem de um soldado
reformado que se acorrenta na prefeitura da cidade em protesto. Agora, virou
moda, protestam por qualquer bobagem. Segundo a moça da TV, o senhorzinho queria
falar com o prefeito em pessoa. Sua queixa, era contra a retirada das paredes
do prédio das fotos dos generais presidentes. Por volta do meio dia o
protestante desacorrentou-se e partiu sem atingir seu objetivo. Uma língua
ferina disse que o sol quente na cabeça, fez o pobre homem desistir de seu
protesto. Só aí me dou conta de que é 31 de março e onde estou. Estou na região
onde nasceu o inconfidente Tiradentes e Barbara Heliodora, exatamente no dia em
que alguns beligerantes fascistas comemoram 50 anos do Golpe de 64.
Não é que o famigerado golpe começou, aqui perto, em Juiz de Fora. O soberbo povo da “Roça Grande” nos deve esta nódoa na história. A brancaleonica trupe partiu da barranca do Paraibuna para as praias cariocas. Pai Firmino, macumbeiro e meu conselheiro espiritual, já me disse que a soldadesca de JF, ele serviu lá, passava a maior parte do tempo varrendo quartel, lavando viatura enquanto os de patente mais altas queimavam energias num joguinho de truco, para espantar o tédio da caserna. Eles blefaram e deu no que deu. Tanta coisa boa para ser pioneiro, vão ser pioneiro de golpe. O que alivia o pecado, é a cidade nos ter dado Murilo Mendes e Pedro Nava.
Não é que o famigerado golpe começou, aqui perto, em Juiz de Fora. O soberbo povo da “Roça Grande” nos deve esta nódoa na história. A brancaleonica trupe partiu da barranca do Paraibuna para as praias cariocas. Pai Firmino, macumbeiro e meu conselheiro espiritual, já me disse que a soldadesca de JF, ele serviu lá, passava a maior parte do tempo varrendo quartel, lavando viatura enquanto os de patente mais altas queimavam energias num joguinho de truco, para espantar o tédio da caserna. Eles blefaram e deu no que deu. Tanta coisa boa para ser pioneiro, vão ser pioneiro de golpe. O que alivia o pecado, é a cidade nos ter dado Murilo Mendes e Pedro Nava.
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